domingo, 24 de fevereiro de 2013

Artigo definido


Artigo definido
Marcos Cordeiro de Andrade

Caros Colegas,

Certa vez, lá pelos anos setenta, um colega brincalhão (invejoso ou até mesmo vingativo), pôs um anúncio no jornal de domingo: “Vendo fusca zero (2.000 km) pela metade do preço ao primeiro que chegar, motivo – pânico de dirigir depois de presenciar acidente. Procurar fulano amanhã na Ag. Fimag do Banco do Brasil”. No dia seguinte, segunda feira, extensa fila de candidatos com o jornal debaixo do braço dobrava o quarteirão antes do expediente. E o “anunciante” teve que faltar ao trabalho por mais três dias.

Isso é apenas uma amostra do que move espertalhões que levam a vida querendo se dar bem com ganhos fáceis. Há verdadeiros profissionais da busca por pechinchas que pesquisam anúncios. Mas nem todos procuram apenas ofertas como a do exemplo acima. Existem os que vivem debruçados nos cadernos de reclames pesquisando “gafes” midiáticas onde o anúncio chamativo propaga vantagens com preços impossíveis de se praticar, mas que, em que pese tratar-se de erro gráfico de impressão, ou de informação, o pobre anunciante é obrigado por Lei a vender seu peixe quase de graça, como divulgado.

Há também os garimpeiros dos corredores de tribunais que se ocupam em impetrar ações de reparação em dinheiro. A esses não importam os motivos, pois são profissionais ecléticos – não escolhem vítimas nem fundamentações. Para eles não há ética a respeitar nem escrúpulos que cerceiem essa sua atividade paralela. Normalmente são elementos frustrados, invejosos e desleais assalariados de vencidas carreiras pífias por falta de capacidade e vontade de trabalhar. São figuras que se acostumaram a viver de expedientes ortodoxos para ganhar dinheiro sem fazer força, normalmente à custa de quem trabalhe por eles ou que tenham feito nome para lhes dar sombra. Suas presas preferidas são as grandes empresas, mas, à falta de uma “boa causa” contentam-se com pobretões que são bem mais fáceis de lidar, pois não têm dinheiro para pagar advogados nem conhecem como eles os caminhos da pouca vergonha que justificam o ganho fácil. Aproveitam-se também da boa índole dos que não têm por costume frequentar delegacias nem fazem conchavos com a ilegalidade.

E hoje, com a pujança alcançada pela comunicação virtual, abriu-se um garimpo inexaurível disponível a essa classe de “trabalhadores”, cuja única especialização é bater ponto em delegacias, cartórios e tribunais registrando ocorrências que lhes valham jogar mais um processo de reparação financeira nas costas de pobres diabos que ousem cruzar seu caminho. E fazem uso dessa prática sem pudor nem piedade com acusações de calúnia e difamação ao pegar no ar palavras que nem sempre foram direcionadas a eles e, pior de tudo, deturpadas no boletim de ocorrência e na fundamentação da petição inicial dos processos que lhes garantem o sustento - que o trabalho não lhes dá por absoluta falta de caráter e disposição de serem honestos.

E ninguém está livre deles. Nem há antídoto que previna o efeito do seu veneno. A única coisa a fazer é falar pouco em presença de estranhos, não falar nada na sua ausência e tampouco escrever coisas que possam ferir suscetibilidades, mesmo com o melhor dos propósitos. Mas isso é difícil de seguir para aqueles que se dedicam a bem informar repassando comentários e transmitindo conhecimentos – seus e dos outros – como no caso de moderadores de Blogs, o milagre da informação virtual.
   
No momento enfrentam tempos difíceis os que lidam com a palavra escrita ao nominar pessoas pressupondo o sexo que aparentam. O que outrora era definido pelo visual sem causar traumas, hoje somente um acurado exame clínico ou psicológico pode mostrar ao mundo. Ainda mais quando determinados seres teimam em aparentar o que não são. Mas que, ao se julgarem ofendidos na sua sexualidade, botam a boca no trombone caindo de pau em cima de quem cometeu o terrível engano de usar o artigo definido erradamente. Esquecem que seria mais simples sair do armário quando, sabidamente, têm as suas chaves.

Se não bastassem os gramáticos e lexicólogos de plantão a me policiar (nem sempre doutos, comumente entendidos), tenho que cuidar para não pronunciar aleatoriamente termos que definam a condição sexual de outrem, se assim eles possam julgar. Estou proibido de escrever, por exemplo, o artigo definido em citações como: o cidadão; a cidadã; o senhor ou a senhora; o homem ou a mulher.  E por aí afora. Assim, melhor será pensar na metáfora “o sexo dos anjos” ao me referir a qualquer ser humano doravante.

Pior que isso é que não mais posso recomendar “seja homem” ou “seja mulher”, pois corro sério risco de ouvir de volta o indefectível “teje” preso. Na dúvida, melhor usar uma frase unissex, tipo “honre suas calças”.

Bom mesmo era no tempo dos meus avós onde se podia usar sem sustos os artigos definidos masculino e feminino. Muito embora lá atrás, como aqui e agora, também houvesse grandes armários a esconder preferências sexuais – onde, também, havia respeito a essas escolhas quando assumidas. Coisa de Macho. Oh, desculpem, quis dizer COISA DE GENTE HONESTA CONSIGO MESMA!

Por isso serei menos explícito daqui em diante e, consequentemente, menos contundente quando nominar pessoas apenas pelos artigos definidos “O” ou “A”.

Haja saco!

Marcos Cordeiro de Andrade – Curitiba (PR), 24 de fevereiro de 2013. www.previplano1.com.br

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