Marcos Cordeiro de
Andrade
Caros Colegas,
A Copa do Mundo de Futebol 2014 segue
seu curso embalado em certezas e surpresas ditadas pela lógica do esporte. De
lamentar que se desenrole ao sabor de ditames que tolhem a espontaneidade do
povo brasileiro e sua paixão pelo futebol. Tudo nela serve para obscurecer a nossa
expressividade ímpar, lembrando que já no início nos apresentou mal aos olhos
do mundo com o que foi a cerimônia de abertura, camuflada dentro de um
espremido e ridículo espetáculo entregue a “carnavalescos” estrangeiros e que,
assim, exportou uma mentirosa exposição da realidade brasileira.
A partir daí, em estádios
impecavelmente “europeizados” feitos com acomodações estilizadas para abrigar
bundas estrangeiras, o espetáculo das partidas se desenvolve ao sabor do
controle dos organizadores igualmente alienígenas. Por sorte esqueceu-se de
colocar um colete FIFA em cada um dos torcedores a lembrar de que também teriam
que cumprir sisudas ordens. E, graças a essa falha organizacional, aí, e somente
aí, pode-se saber que se trata de espectadores que se portam como brasileiros –
pela variedade de cores no vestir e no entusiasmo das brincadeiras encenadas,
destoando apenas da irrepreensível postura dos japoneses presentes que,
voluntariamente, limpam depois a sujeira produzida nos lugares ocupados – por eles
e por seus vizinhos brasileiros.
Pena que essas bilionárias casas
de espetáculos custeadas com dinheiro do povo não terão público para enchê-las
em dias de futuros jogos regionais. Mas, quem sabe, o governo tenha financiado
essas obras em tamanho suficiente para amparar desabrigados de próximas e
corriqueiras catástrofes ambientais. E todo esse dobrar de joelhos se deu, ou
se dá, por conta da subserviente postura das autoridades que deveriam cuidar do
assunto preservando nossa soberania e, acima de tudo, nossa identidade
cultural.
Pior que tudo isso, e o mais
revoltante no contexto, diz respeito à permissividade com que lidam com nossas
crianças, robotizadas e travestidas de infantes de primeiríssimos mundos.
Tivessem os organizadores da poderosa FIFA (dona absoluta desses pedaços do
Brasil) se espelhado nas cerimônias de abertura das partidas dos nossos
campeonatos, teriam permitido que as crianças acompanhassem os jogadores do
modo próprio como se comportam pelo Brasil afora. Nessas ocasiões, é belo ver
como elas entram em bandos e, como abelhas grudadas no mel, seguem agarradas
aos seus ídolos como a levá-los pelas mãos em alegre corrida até o meio do
gramado. E nesses inocentes cortejos pode-se sentir a miscigenação do nosso
povo e seu modo de ser, único na composição de raças e no trajar. Por isso,
nestes jogos da Copa do Mundo no Brasil, preferiria vê-las sem o ridículo
uniforme FIFA que em nada lembra as cores do Brasil e dos nossos times, pois é
triste ver como ensacam nossas crianças em embalagens para visão do resto do
mundo, com severas ordens de comportamento a segurar mãos também bem
comportadas, donas de rostos que raramente se dignam devolver inocentes olhares
de admiração, que dirá um afago como se eles fossem igualmente humanos
liberados para tal. Mas, fazer o que? É obediência ao Padrão FIFA que nossos
governantes aceitaram em troca sabe-se lá do quê.
Repito que preferiria não ver
nossas crianças submetidas a esse vexame, mas, diferentemente daquilo que com
elas estão fazendo, melhor seria despojá-las de talhados uniformes e deixá-las
entrar em campo trajando as simples e asseadas roupas do dia a dia; descalçá-las
das chuteiras de marca e permitir que ostentassem nos pés seus próprios
sapatos, tênis, sandálias ou mesmo alpercatas de rabicho; deixar que suas
vestimentas não fossem o fardamento de duvidosas cores, mas simples e diários
calções e camisetas; que respeitássem seus cortes de cabelo acompanhando a moda
de cada um, alisados com gel ou despenteados, lisos, encaracolados ou crespos.
E que seus rostos – e principalmente eles, os rostos – fossem nomeados
aleatoriamente para lembrar o nosso povo; que entre eles não se excluíssem pessoas
de cor para que apresentassem a essência da nossa raça brasileira, que não se
envergonha de mostrar a sua verdadeira cara. Nesse ponto, parece até que a FIFA
acredita que no Brasil os futuros discriminados racialmente já nascem adultos,
destinados a sofrer ataques racistas pulando as penalidades inscritas na cartilha
dos Direitos da Criança e do Adolescente, e subordinados à defesa ao amparo da
Lei Afonso Arinos – por sua própria conta e risco.
Do meu lado, entendo que um país que sente vergonha das suas
crianças jamais terá um futuro de que se orgulhar.
Resta lembrar que não temos
crianças Padrão FIFA e, tirando os demais senões, a Copa do Brasil 2014 está agradando
ao mundo. Somente não sei se está agradando aos brasileiros. Mesmo assim,
melhor seria que não fosse chamada de Copa do Mundo FIFA.
Viva as crianças do Brasil!