Medos de um aposentado
Marcos Cordeiro de Andrade
Curitiba (PR), 22 de
setembro de 2017.
O homem nasce sem medos, mas seu desenvolvimento em sociedade
o faz adquirir muitos.
Uns maiores e outros menores, dependendo da escala em que se
meça os medos que o aflige.
Os meus me acompanham pela vida afora. Foram singelos na
infância, adquirindo maior significado na adolescência e tiveram acelerado
crescimento na idade adulta. Mas, nenhuma dessas fases prejudicou significativamente
meu desenvolvimento por conta dos meus medos. Foram medos normais, superados todos.
Foi bom ter vivenciado essa frequência. Porque na idade adulta,
calejada na convivência com medos passados, tive fôlego renovado para tocar a
vida com responsabilidade. Com a convicção do saber decidir. Do poder procriar
e saber criar. De dar amparo e de ser amparado pela confiança reconhecida. De
saborear o gosto da honradez. Do ser probo e digno – herança do berço que não
admite fraquezas. E que se guarda como um bem maior.
No entanto, em chegando a velhice veio a escalada desordenada
desse sentimento que sufoca até mesmo a capacidade de se conviver com ele. Que
dirá de superá-lo. Isso se deve aos perigos que ladeiam o caminho a ser
percorrido em direção à morte – o medo mor.
Hoje, classificado como um velho viúvo de 78 anos, me fechei
em concha para conviver com os medos que a solidão da velhice me trouxe, e que
ocupam minha mente no dia a dia modorrento e sem graça, pela imposição de ter
medo de tudo que me cerca.
Sou aposentado do Banco do Brasil e sobrevivo financeiramente
do que essa condição me supre. Mas, paradoxalmente, essa situação me
acrescentou um medo recente aos muitos já carregados. Posto que o Banco aboliu como
que por decreto, seu e para si, o fato de eu ser tido como aposentado – título que
garbosamente envergo há mais de três décadas. Agora, esse ingrato antigo patrão
diz que sou pós-laboral, ao invés de aposentado do Banco do Brasil como sempre
me apresentei perante a sociedade – e o mundo. E o medo dessa mudança se traduz
na desconfiança de que, também, ele (Banco) irá me usar em temida privatização
que as evidências anunciam. É o que se especula.
Mas, talvez não seja bem isto. Quem sabe o Banco queira
defender a honra dos aposentados honestos que lhe serviram no passado, tirando-os
do saco de gatos criado por ele mesmo, quando permitiu (ou incentivou) que
dirigentes de sua escolha se tornassem bandidos, transgressores sem escrúpulos que
macularam a classe tida como exemplo de honestidade, justeza de caráter e
invejável capacidade de trabalho. Que formavam reserva moral onde eram sacados
como se de um celeiro de talentosos obreiros para servir à pátria vertendo
sangue, suor e lágrimas no cumprimento das missões destinadas. Isto porque,
incorrendo em erro de avaliação, o Banco permitiu que dirigentes nomeados praticassem
descaminho no exercício das funções delegadas, frouxamente avaliados na justeza
de caráter, grau de honestidade inata e honradez latente. Mas firmemente aproveitados exatamente pela
falta de enquadramento nesse perfil. E é lamentável a constatação de que alguns
desses transviados foram iniciados no quadro funcional de carreira depois de
admitidos como Menor Aprendiz justamente
para aprender a bem servir, no bom sentido. Mas eis que, pelo visto, não
aprenderam nada na salutar convivência com os que entraram no Banco por força
de concurso rígido inicial, sem apadrinhamentos prejudiciais. Ao contrário, resguardado
os bons exemplos da categoria de aprendizes,
alguns dos escolhidos pelo Banco atravessaram o limite da honestidade para se
juntar aos corruptos que infestam a Nação Brasileira.
Parece até que ser corrupto dá status, e não ser um deles recomenda mal, posto que essa
identificação moderna é usada para nomear os que compõem a caravana nunca antes
imaginada, composta de exponenciais figuras da República como: presidentes,
ministros, governadores, senadores, deputados, prefeitos, vereadores,
dirigentes de estatais e outros Órgãos públicos. Corruptos todos, depois da
constatação em Juízo. Todos de largos bolsos, frouxas cuecas e elásticas meias onde
cabem muitas notas de dólar vindas de “propinodutos”
e outras fontes escusas, próprias para abarrotar contas bancárias abertas em
paraísos fiscais.
Por isso tenho medo também. Não de ser honesto. Mas por ser
honesto, pois, ao lado de muitos colegas iguais, me tornei exceção à regra,
sujeito a esgares lançados por parte dos que não aceitam conviver com a
honestidade e a decência. Ainda mais agora, quando querem cortar o cordão
umbilical que me une ao Banco, a quem servi com amor e dedicação extrema até a
diplomação como aposentado, e não pós-laboral como ora me cospem na cara.
Além de tudo, a esses medos juntaram-se outros ultimamente,
me condenando à clausura.
Tenho medo de sair à rua onde a segurança pública me deixa ao
sabor de assaltantes. Tenho medo de saidinha de Banco. De frequentar filas. De
clonagem de cartão de crédito. Medo de planos de saúde, de adoecer e precisar
de hospitais. Medo de concessionárias de serviços públicos. Medo dos impostos saltitantes.
Medo de juros e da inadimplência.
Tenho medo dos fictícios reajustes da aposentadoria, dos
aumentos de preços dos remédios e dos bens de consumo. Medo dos políticos e da
política gerida por eles e para eles. Dos magistrados que se dobram à ganância
de ideologias condenáveis. Das leis direcionadas e dos desvios do dinheiro
público consentidos. Medo de esbarrar com a miséria a cada esquina que eu
cruze, exercendo a impotência que trava a vontade de servir. Dos vícios e dos
viciados que perambulam pelas ruas, desprotegidos, abandonados pelo poder
público e pelas famílias, provocando o choro dos piedosos condoídos. Medo da
pobreza dos arrabaldes, que não posso minorar. E das riquezas ostentadas que
fecham o cofre à caridade cristã. Tenho medo de ter esses medos. E de outros
que ainda possam vir.
Por quê ser um velho aposentado me dá tanto medo?
Será mesmo que vivencio a melhor idade?
Marcos
Cordeiro de Andrade
Aposentado
do Banco do Brasil
Matrícula nº 6.808.340-8
Matrícula nº 6.808.340-8
Curitiba
(PR), 23 de setembro de 2017.