HIPOCRISIA
Marcos Cordeiro de
Andrade
Costumeiramente, todo final de ano surge um sem número de
pedidos para suspensão de parcelas do ES da PREVI. E ela nem sempre nos atende.
Ocorre que esses pedidos nada mais são do que a constatação da má remuneração
de grande parcela dos participantes, em consequência da corrosão sistemática
dos benefícios previdenciários.
Para esses assistidos o ES já foi uma tábua de salvação,
quando os parâmetros para concessão permitiam a renovação do mútuo a cada seis
prestações pagas, para todos. Isso se tornou rotina e satisfazia aos
endividados, funcionando como reforço dos proventos até que os tecnocratas do
Fundo encontraram meios de dificultar essas renovações - engessando prazos de
acordo com a evolução da faixa etária na contramão do bom-senso. Significando dizer
que a equação formada estabelece uma cruel inversão de direitos: quanto mais
velho o mutuário menos amparo usufrui por conta do ES, pouco importando que
isso fira o Estatuto do Idoso. Note-se que a PREVI alardeia que o ES foi criado
para melhorar a qualidade de vida dos seus participantes.
Agora, mais que em qualquer época, ressurge com força os
pedidos de suspensão de mensalidades, justamente porque, em atitude espontânea,
a PREVI suspendeu a cobrança das prestações de maio e junho recém passados. E há
expectativa de que a providência seja renovada, uma vez que a motivação
repousou sobre os efeitos da pandemia que nos atinge e que, desgraçadamente,
não dá indicativos do esperado arrefecimento dos seus efeitos maléficos.
A par do que aí está, na delicada conjuntura presente, nos
entristece saber que as pessoas que precisam do amparo emergencial prestes a se
positivar conviva com quem tripudia dessa necessidade inconteste. É o caso de
se implorar que, se não precisam de ajuda externa que agradeçam a Deus pelo
privilégio de que são portadores. E se valham da condição para ajudar a quem
precisa dando um pouco do que lhes sobra, mas, se não se dispuserem a renunciar
de parte do seu rico dinheirinho, saibam que ficando calados também
contribuirão para minorar o sofrimento do seu próximo (sem gastar um tostão
sequer). Quando existe a esperança de que a PREVI se sensibilize, em nada
contribui alguém vir a público dizer que não há necessidade de suspender
mensalidades do ES, argumentando com seu exemplo único como “se todos fossem
iguais a você”.
Taxativamente, entendo que os bafejados pela sorte não devem
se posicionar condenando os menos afortunados, fechando os olhos para os
percalços vivenciados por estes. De se notar que nem todos os aposentados do BB
fazem jus às previsões do início da carreira, quando se lhes diziam: “parabéns,
você está feito na vida”. Os que hoje assumem postura que corrobora essa
premonição esquecem que o mundo é feito de diferenças sociais. Esquecem que
grande parcela de funcionários do BB marcou passo no Interior perdendo
oportunidades de ascensão funcional, o que culminou em aposentadorias
irrisórias. Esquecem também das pensionistas que amargam pensões com rebate de
40% do salário do provedor, arcando com 100% das responsabilidades deixadas por
ele. Esquecem dos que se depararam com infortúnios vários no decorrer da
existência. Assim como esquecem daqueles que têm filhos e/ou netos às suas
expensas por terem perdido os empregos em razão da pandemia que aí está. Bem
como esquecem dos que, pela vontade Divina, têm filhos portadores de
deficiências. Por conseguinte, é válido inferir que os propagandistas da máxima
de que o ingresso no BB os carimbou como estando “feitos na vida” não é
abrangente. Mesmo assim, nada garante que gente da espécie sustente essa
postura sem que ela reflita egoísmo latente. No entanto, é inadmissível que a
insensatez atinja o ponto de se negar amparo a um necessitado. Como igualmente
é plausível acreditar que põem força no que dizem querendo demonstrar
honestidade de propósitos. Porém esses arroubos não lhes trazem benefício
algum, mas, ao contrário, minam os anseios de muitos necessitados. Há até quem
diga que a situação criada pela pandemia em nada alterou sua rotina financeira,
o que é difícil de acreditar. É bazófia. Ou é vontade de aparecer a qualquer
custo. Também, se posicionar perante a PREVI como exemplo a ser considerado em
prejuízo de outrem é negar o pão a quem tem fome, pois “mais ajuda quem não
atrapalha”.
Sem exagero algum, essa concessão cairia como um bálsamo
sobre as feridas do endividamento com o ES, impossível de conter. Nesse
entendimento, e sem querer ser piegas, mas com intuito de dividir minhas
lágrimas com quem as tenham abundantes, tomo a liberdade de reproduzir relato
que me chegou ontem, esperando que os cabeças pensantes da PREVI atentem para
seu significado:
“Eu, particularmente, não consegui suspender as
parcelas de meu empréstimo, pois estava confinado, sem acesso a informações.
Soube da suspensão, somente dia 01 de maio e o prazo tinha sido até 30 de
abril. Enviei um e-mail para a PREVI, contando a minha situação, mas não
aceitaram, alegando que o prazo tinha sido até 30 de abril. Depois, enviei um
e-mail para a Dayse, contando a minha situação e pedindo o e-mail do presidente
da PREVI; ela informou-me que não tinha o e-mail da presidência. Depois, enviei
um e-mail para a ANABB aqui no (...), pedindo sua intervenção, no sentido de
suspender as parcelas de meu empréstimo e, até agora, nada. Enviei cópia do
e-mail para a ANABB em Brasília e nada; enviei cópia do e-mail para o e-mail
dos ASSOCIADOS PREVI, atenção do Marcel Barros e nada.
Qual a minha situação: o valor de minha aposentadoria
é pequeno e, para complementá-la, sou corretor de seguros e de imóveis. Tenho
uma filha, que tem três filhos, de três pais diferentes e nenhum paga pensão
alimentícia, pois são uns irresponsáveis. A minha filha mora comigo, juntamente
com seus três filhos e, devido à pandemia, ficou sem trabalho e sem ganho, pois
é autônoma. Com isso, a despesa ficou toda na minha costa, o que tem me tirado
o sono e a minha tranquilidade. Imagine você, sustentar uma família de seis
pessoas - eu, minha mulher, minha filha e meus três netos -, pagando água e luz
de quase R$ 1.000,00, supermercado, transporte, colégio, vestuário, saúde, etc.
Para quem ganha muito - como muitos colegas aposentados -, é fácil, mas para
quem ganha pouco, é muito difícil.
Abraços fraternos para todos.”
Relendo esse desabafo, custo a crer na existência de quem
faça da soberba uma virtude e não se preocupe em aliar esse conceito à
hipocrisia.
Desse modo, alguém precisa incutir na cabeça dos insensíveis
os pontos cruciais que envolvem uma esperada suspensão de mensalidades do ES,
porque a pleiteada providência tem caráter opcional - somente será beneficiado
(ou prejudicado) quem manifestar o interesse.
Comecemos por dizer que essa é uma dívida impagável com
recursos próprios e em circunstâncias normais, posto que, para quem chegou ao
limite do empréstimo a liquidação enfrenta montante muito elevado e para a
maioria dos tomadores somente será honrada com o Seguro por morte em razão da
idade. Aqui vale argumentar que as prestações suspensas serão projetadas para o
final do prazo, obviamente acrescidas à dívida e, na maioria das vezes o
devedor morrerá antes de liquidar todas as parcelas, mês a mês (a não ser que
tenha descoberto o elixir da juventude). Para sua tranquilidade, ocorrerá a
liquidação com seu próprio dinheiro – antecipado na forma do FQM. Não haverá
calote e todos serão felizes: a PREVI receberá o dinheiro emprestado; o
mutuário partirá em paz, sem a dívida do ES e os seus herdeiros não arcarão com
esse ônus.
Curitiba (PR), 05 de julho de 2020.
Marcos Cordeiro de Andrade
Aposentado – 81 anos
Matrícula nº 6.808.340-8